Em Tempos de Plenitude

Em Tempos de Plenitude
Imagem: By Jon Whitcomb
Quando uma fruta é mais saborosa? Imagine uma manga suculenta, uma jaboticaba apetitosamente doce, um caqui com gosto de chocolate, enfim, imagine uma fruta em sua maturidade e plenitude e então poderemos saboreá-la com gosto, desfrutando do sabor, da textura, da cor, do cheiro, de tudo.

A preferência da maioria não recai sobre uma fruta verde, dura, amarga ou muito ácida. O que apreciamos é sua madureza, sua suave entrega, o ponto certo em que ela cai da árvore para seu voo solo.

Observando a natureza é onde sempre aprendemos. Foi assim que a ciência organizou toda a informação sobre o que chamamos hoje de conhecimento científico. Foi assim que os antigos aprenderam a cuidar da terra e a conviver com as estações. A filosofia, além da investigação da natureza, coloca um foco ainda mais específico, apesar de amplo e profundo, e investiga a natureza humana.

E aí começam a surgir as contradições, aquilo que não está em harmonia com o meio ambiente, com a natureza, que contradiz suas leis e regras, aquilo a que damos um nome genérico de cultura, porém representa uma miríade de expressões que é irrelevante catalogar, tal sua mutante natureza.

Nossa cultura fala muito de nós, conta nossa história, revela nossos valores, nossas escolhas, sejam elas claras ou ocultas, enfim, a cultura é nossa face. E qual será a face que estamos projetando sobre nosso tempo e nossa sociedade? Como os futuros historiadores definirão nossas relações sociais, nossa consciência ambiental, nossos princípios e aspirações?

Há uma sede de juventude que não tem precedentes, mas que talvez revele muito do que se passa em nossa cultura. Homens e mulheres maduros, no auge de sua florescência, lutando para aparentar vinte anos menos, tentando arrancar com ácidos as marcas que a vida vai deixando em nossa face. Esticando, repuxando e descaracterizando o “si mesmo” que, bem ou mal, representam  as conquistas e experiências que são os frutos da maturidade.

O medo da maturidade é tamanho que o “sujeito” desaparece a partir de um desejo quase insano de aparentar mais juventude. É como se a suculenta manga resolvesse se manter verde o maior tempo possível para repentinamente entrar em decadência sem nunca ter amadurecido.

Nada contra uma ação cosmética, um cuidado com a própria aparência, sinal de uma saudável auto-estima. O problema é o excesso, o exagero que advém do medo de envelhecer, de se tornar obsoleto por não ter mais determinada aparência. Ilusão pautada no espelho, que é o instrumento de todos os ilusionistas.

Uma vida bem vivida vai se apresentar em nossa face. Cada linha contará uma história recheada de momentos. Todos os sorrisos que damos abrem fendas fundas em nossa face e espelham a pessoa sorridente que somos. As lágrimas derramadas falam dos amores perdidos, de cada adeus doído, da compaixão sentida, da raiva de si e do outro, enfim de todos os momentos em que estávamos presentes, vivencialmente disponíveis, emocionalmente afetados, histórias de nós mesmos. Isso também deixa marcas.

Mesmo o biquinho que fizemos ao brincar com um bebê, a testa franzida para descobrir uma solução perfeita, a tensão antes de uma festa importante, tudo isso deixa marcas. Não ter marcas é não ter histórias, é não ter ainda trilhado o caminho. Quem subiu a montanha perene da existência e está desfrutando da visão expandida do mirante da maturidade plena tem marcas.

Sapato novo é bonito, mas ele só fica bom mesmo depois de bem usado, amaciado, com o formato de nosso pé. Isso poderia ser considerado uma deformação, porém é mesmo uma modulação. Assim também acontece com cada prega, ruga, fenda, marca, cicatriz, tudo é a modulação que vamos dando a esse corpo que nos serve de morada. Não é a gente que faz as marcas da vida é a vida que deixa suas marcas em nós todas as vezes que nos dispomos a vivê-la.

Ame suas marcas, essa é sua biografia – no mais estrito e literal senso. Só quem amadurece se torna pleno e um sinal inequívoco de maturidade é auto-aceitação.


Texto de: Dulce Magalhães - Filósofa, Educadora, Pesquisadora, Escritora e Palestrante.


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